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Artigo do Professor José Pedro Bráz (Five Elements Jiu-Jitsu – Portimão)

resiliência
substantivo feminino
(inglês resilience, do latim resilio, -ire, saltar para trás, voltar para trás, reduzir-se, afastar-se, ressaltar,
brotar)
1. FÍSICA
propriedade que alguns corpos apresentam de retornar à forma original após terem sido submetidos a uma
deformação elástica.
2.figurado (sentido)figuradamente
capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar à má sorte ou às mudanças.
Muito se tem falado no termo “Resiliência” principalmente nos tempos que correm, em
plena Pandemia e com consecutivos confinamentos, restrições e novas regras, que no
melhor dos casos, nos tem obrigado a algumas adaptações do quotidiano. Contudo, para
muitas pessoas a vida ficou do avesso, sem trabalho, passatempos, negócios, estilo de
vida e dinheiro para sustentar a família.
Vivemos tempos que são um verdadeiro teste à nossa resiliência, e os professores e
praticantes de Jiu-jitsu não ficam incólumes. As academias estão fechadas, ou são
fechadas consecutivamente, sujeitas a muitas restrições e regras, que dificultam não só a
prática normal da modalidade, como são um entrave para atrair novos alunos.
O Jiu-jitsu está cheio de histórias que falam de virtudes inerentes à sua prática, tais como
a lealdade, a coragem, a disciplina, o positivismo, o sentido do dever, mas sobretudo a
capacidade de adaptação e de superação frente às adversidades, nada mais nada menos
que a Resiliência.
Mas como é que essa capacidade está inerente na prática do Jiu-jitsu? Será que está
mesmo? Os últimos 40 anos têm sido frutíferos na pesquisa sobre a resiliência e há
indícios de, pelo menos ao nível teórico, a resiliência poder não só ser aprendida, como
treinada. Existem inclusive empresas que se dedicam ao treino e desenvolvimento da
resiliência no mundo corporativo. Mas o que é a resiliência na prática? Identifiquei 5
aspetos chave comuns a muitas histórias que tive conhecimento na pesquisa que efetuei,
contudo, existirão muitos outros aspetos fundamentais e diferentes experiências
associadas à resiliência, cujo entendimento completo poderá ainda estar por vir.

  1. Enfrentar a realidade
    Quando achamos que a coisa não é tão má assim e que tudo vai melhorar, acabamos
    muitas vezes por não nos mexermos e esperarmos por melhores ventos. Mas é quando
    acessamos a realidade nua e crua, e até sob uma aura de pessimismo, que surge uma
    necessidade de criar soluções para os problemas. Embora o positivismo e o otimismo
    tenham o seu lugar, em situações adversas poderão distorcer a realidade e
    consecutivamente a nossa capacidade de resposta. Evidências mostram que em diversos
    cenários, pessoas resilientes são fundamentalmente práticas, acessam os problemas de
    uma forma realista e procuram uma resposta objetiva.
    É da aceitação da realidade que poderão surgir soluções que nos permitam sobreviver a
    dificuldades extraordinárias.
    Os praticantes de Jiu-jitsu são constantemente submetidos a experiências cuja avaliação
    necessita da máxima objetividade. Por vezes no treino em si, outras vezes ao longo da
    sua jornada, enfrentando lesões, desânimos e condicionantes naturais da vida, e mais
    recentemente, a impossibilidade de treinar devido à Covid-19. Sendo algo que afecta a
    todos, não há como escapar, e para os professores e donos de Academias, procurar
    respostas práticas e efetivas para continuar o ensino da arte provém de uma atitude mais
    fria e sóbria. Não é que o otimismo não tenha lugar, porque tem, pois por vezes é
    necessária uma boa dose de motivação para começar uma mudança, mas é sobretudo
    criar respostas e preparar-se para endurecer ao longo do tempo. É abraçar o
    desagradável e aqui o otimismo não é tão útil.
    Segundo Marcus Aurelius: “A primeira regra é manter o espírito tranquilo. A segunda é
    enfrentar as coisas de frente e toma-las pelo que realmente são”.
  2. Engenho e recursos
    Se não reconhecêssemos a gravidade da situação, se não enfrentássemos os factos tal
    como eles são, não iríamos sofrer a pressão para criar soluções que dessem resposta às
    adversidades. Sob a aura de otimismo e pensamento positivo tudo iria estar bem no futuro
    e tenderíamos a não agir com diligência. Essa pressão força-nos a improvisar e a criar
    soluções bastante criativas e inovadoras. Vamos buscar recursos que nunca nos
    tínhamos lembrado antes e procuramos adaptar-nos rapidamente, sob pena de sofrer
    graves consequências. Essa urgência instiga ao engenho, à criatividade e sobretudo a
    pensar fora da caixa. Pensar fora da caixa também pode significar avaliar e analisar o
    problema com maior distanciamento, avaliar a caixa de problemas do lado de fora ao
    invés de dentro dela. Esse distanciamento permite romper com o sistema tradicional e
    chegar a novas formas de entendimento. Permite vislumbrar mais além e com diferentes
    mecanismos para lá chegar. A necessidade aguça o engenho.
    Vejo isto diariamente nos treinos de Jiu-jitsu, e na verdade, a própria arte convida ao
    engenho como recurso para a vitória. É daqui que surgem as novas variantes das
    técnicas, as novas guardas e raspagens e os novos detalhes. Um praticante que é capaz
    de improvisar durante uma situação de aperto e dificuldade, é alguém difícil de derrotar,
    pois a cada dificuldade consegue apresentar de forma criativa uma resposta que o salva
    ou até abre o caminho para a vitória. Por isso o engenho, a criatividade e o improviso
    andam de mãos dadas com a resiliência.
    Por isso pergunto eu, que soluções criativas e engenhosas poderão os professores do
    Jiu-jitsu criar para superar estes tempos difíceis? Que soluções somos todos nós forçados
    a criar para superar as dificuldades?
  3. Um sentido para a vida, um propósito
    Já pensou porque motivo pratica Jiu-jitsu, porque motivo ensina ou possui uma escola de
    Jiu-jitsu? O que o mantém na prática? O que o faz voltar dia após dia, mês após mês e
    ano após ano aos tatamis? Aquilo que fazemos, seja o que for, tem um significado e peso
    para nós, e tal como na vida, o Jiu-jitsu também representa algo que nos mantêm e nos
    faz voltar, apesar das adversidades, e por vezes do sofrimento físico, e porque não dizêlo, emocional também! Uma graduação que não veio no tempo certo, expectativas
    maiores na evolução, resultados desportivos aquém do esperado, uma lesão impeditiva
    ou até mesmo a falta de vontade para treinar. São as pessoas resilientes que
    conceptualizam e eventualmente aceitam esse “sofrimento” porque existe um propósito
    maior pelo qual lutam. Aquilo que pode ao longo do tempo tornar-se trivial, adquire nas
    pessoas resilientes um novo significado. Para uns é o aliviar do stress de um dia de
    trabalho, para outros é a sensação de conquista e progresso, para outros é a dinâmica de
    amizades e relações criadas nas aulas. Cada um deve tentar criar o seu propósito de
    forma a dar um sentido ao que faz. Um significado maior. No fundo é a resposta ao
    Porquê e quem encontrar um porquê verdadeiramente forte, cria as condições para
    continuar e perdurar sem perder a orientação, abraçando as dificuldades e o sofrimento,
    pois sabe que luta por algo maior e mais importante.
    Não será assim também noutros aspetos da nossa vida?
  4. A resiliência como recuperação
    Muitos de nós, e certamente eu, tinha a ideia que a resiliência estava ligada à resistência,
    que no fundo eram conceitos sinónimos. Hoje sei que não é bem assim. A resistência
    consiste em duas forças opostas atuando uma contra a outra. A resiliência porém, diz, nos
    termos da física, que um objeto é resiliente quando após ser submetido a uma força
    deformadora, tem a capacidade de voltar à sua forma original. A resistência pode levar ao
    desgaste e eventualmente à rutura de um dos elementos das forças em ação. O Jiu-jitsu é
    riquíssimo de exemplos destes na sua prática. A Arte Suave preconiza exatamente isso,
    ceder para vencer. Durante uma luta passamos por situações onde encontramos
    resistência. Uma luta é cheia de resistência, contudo existem variadas situações em que
    resistir e persistir colocaria em perigo a nossa integridade física. Nessas alturas a
    estratégia certa é ceder, recuar ou até desistir da posição ou ataque e recuperar mais
    adiante. E não será um adversário temível e resiliente aquele que consegue sempre
    recuperar a posição, recuperar de um ataque? Não será resiliente aquele que ao ser
    vencido, volta a tentar, noutra hora, no outro dia e no outro, tentando sempre melhorar?
    Na vida é igual, por vezes somos colocados em situações em que temos de resistir, mas
    outras em que temos de ceder e mais tarde recuperar, sob pena de se não o fizermos,
    corrermos o risco de sofrer danos ainda piores, físicos, emocionais, financeiros e mentais.
    E quanto ao contexto temporal, não será uma boa gestão entre treino e descanso o
    segredo para uma continuação saudável do treino do Jiu-jitsu? A nossa fisiologia funciona
    assim, combina períodos de trabalho e intensidade com períodos de descanso e
    recuperação. O que é no fundo o sono senão recuperação? Poderíamos de facto
    continuar a produzir, a criar no nosso trabalho e sermos a nossa melhor versão na nossa
    vida profissional e familiar, se não dormíssemos? Resiliência é essencialmente
    recuperação.
  5. A rendição a um poder maior
    Podemos chamar o que quisermos, a vontade de Deus, a Mãe Natureza, o Karma, o
    Universo em ação, ou até o poder do Caos, mas todos nós conseguimos reconhecer que
    existe um poder maior, cujas forças estão totalmente fora do nosso controlo. Na verdade
    muitas poucas coisas estão dentro do nosso controlo. Aceitar isso é render-nos a um
    poder maior, que age fora do nosso controlo e cujas consequências não podemos mudar.
    O que podemos mudar é a forma como lidamos com esses acontecimentos exteriores,
    através da gestão das nossas emoções, para que, de forma consciente e plena,
    possamos reagir melhor. É na rendição a um poder maior que encontramos a resiliência,
    pois quando o aceitamos estamos no fundo a reconhecer a realidade da situação, o que
    nos leva a procurar soluções objectivas, usando diferentes recursos e estratégias por
    vezes menos ortodoxas. Perduramos nesta procura de resposta porque existe um sentido
    para o que fazemos e então não desistirmos. Tentamos e descansamos, e tentamos outra
    vez, até recuperar o nosso poder. O nosso poder reside no que podemos controlar, e
    este só surge quando aceitamos que existe um poder superior a nós. E esse
    conhecimento, essa aceitação principalmente, liberta-nos, reconhecendo que nem tudo
    gira à nossa volta.
    No Jiu-jitsu assim como na vida estamos sujeitos às mesmas leis, por vezes um treino
    que corre mal, porque dormimos mal, ou não estamos tão focados, ou um colega fez uma
    crítica injusta, ou até a falta de reconhecimento do professor. Por vezes são as pressões
    externas do trabalho ou do seio familiar que prejudicam não só o rendimento como a
    própria satisfação do treino. São tudo fatores externos que podem prejudicar o nosso
    treino, as aulas ou uma competição. Do lado do professor, também podemos verificar o
    mesmo, alunos que por variados motivos desistem de treinar, novas escolas abrem no
    nosso círculo de influência ou um evento como a Covid-19, que simplesmente força ao
    encerramento, prejudicando quem vive das aulas de Jiu-Jitsu e colocando em causa a
    sobrevivência da escola. Todos estes acontecimentos são no fundo fruto de forças
    maiores, que não compreendemos na totalidade e que não controlamos minimamente, e
    ainda bem que é assim. Seria demasiado para cada um de nós. Assim é a vida, e nas
    palavras do Imperador Romano e filósofo estoico Marcus Aurelius: “Você tem poder sobre
    a sua mente, não nos eventos exteriores, perceba isso e encontrará a sua força.”